Nossa Homenagem a Naná Vasconcelos.

Uma homenagem da Aliança Comunicação e Cultura a Naná Vasconcelos

João tinha 3 anos quando conheceu Juvenal. A gente estava no Fito de Belo Horizonte. Apresentei os dois. “Filho, esse é Naná: o maior homem que batuca do planeta”. João olhou para o maior homem que batuca do planeta e perguntou: “Onde está o seu pai?” Pego de surpresa, Naná Vasconcelos ficou em silêncio. João Luiz respondeu: “Já sei, o seu pai está no céu.” Desconcertada, levei o menino para assistir a uma peça de teatro de objetos. Horas depois, em meio a correrias e corredores, Naná me chamou num canto. Sua voz parecia grave. “Preciso conversar com você.” Fiquei preocupada. Achei que fosse algo relacionado ao projeto. Parei. “É sobre o seu filho. Ele é diferente. Sensível demais. Capta coisas no ar. Vai psicografar”. Agnóstica, achei uma graça danada. Rimos juntos. Foi quando ouvi, pela primeira vez, sua gargalhada percussiva.

No dia seguinte, João estava hipnotizado por Naná. Tinha visto ele tocar pinicos e panelas. O PiniPan. Trabalho que criou para o nosso Festival Internacional de Teatro de Objetos. Batucou Villa-Lobos com todos os lobos imagináveis ou não. De arrepiar, feito tudo o que fazia. Diante daquilo, o menino ensandeceu. Danou-se a pedir para bater panela com Naná. Expliquei que não dava, que aquele território era do artista, que a gente podia bater palma. Mas é da natureza da criança transgredir. É da natureza do artista transgredir.

João e Naná, em segredo, desobedeceram. Do nada, o garoto apareceu, à minha frente, com um chapelão de cozinheiro na cabeça. Estranhei. Compenetrado, ao sinal do mestre, subiu no palco. Tremi. De repente, vi meu filho com duas baquetas batendo tambor no espetáculo. “Pipoca ali, aqui, pipoca além…” Por coincidência ou por mistério, Pipoca Moderna era uma das canções que João Luiz mais gostava. Ouvia quase todo dia. Por isso sabia o momento exato de bater. Os músicos ficaram impressionados. E eu a explicar que não era nada. Naná ria…

Menos de 5 anos depois, 18 dias antes de Naná embarcar na nave, fizemos a roda de leitura do meu primeiro livro no jardim da Vila 7. João com 7. Naná foi. Saiu direto do hospital para ser criança comigo. Sentou na mantinha dos Bichos Vermelhos ao meu lado. Ele e sua querida família. “Você inventa cada coisa, menina!” Eu, Naná? Tu és o maior inventor que conheci. O maior gênio com quem convivi. A pessoa mais humilde que passou pela minha vida. “Ele balançou a cabeça. “Olha, Patrícia: Lina está parecendo uma menina”. Ô, Naná… Eu só estava podendo ser livre. Então a gente conversou como um menino conversa com uma menina. E eu dei nele um beijo com gosto. Registrado aí na foto.

Dali para frente, só reencontrei o gênio de minha lâmpada no hospital. Vi a força imensa com que arrancava o ar dos pulmões para criar coisas novas. Ora com o Maestro Gil Jardim, ora com a outra cabeça da dança: Egberto Gismonti. Entre brechas de máscaras de oxigênio. No intervalo de médicos e enfermeiros. Não tinha tempo a perder. Queria, até o último instante, soprar música.

Na noite de segunda-feira, 8 de março, institucionalizado Dia Internacional da Mulher, Naná ficou cercado delas. Lulu, Aninha, eu e a rainha Patrícia. Todas a abanar o homem-som que suava como um velocista. Por onde estaria correndo? Lembrei das voltas que ele dava no Parque da Jaqueira. Fui para casa com o coração inquieto.

No dia seguinte, às 6:30 da manhã, João invadiu o quarto para me acordar. Estava eufórico. “Mamãe, achei lembrancinhas”. Mostrou o saco de instrumentos que há muito não mexia. Coisa esquecida em fundo de armário. Dali, retirou apitos de pássaros e maracas. Tocou alucinadamente até as 7:35. E saiu atrasado para a escola. Às 7:39, Naná partiu. Entre o choro sentido, ensaiei um sorriso. Não é que ele tinha razão? João psicografou.

Texto: Lina Rosa, Diretora de Criação da Aliança Comunicação e Cultura.

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